domingo, 16 de junho de 2013

A prática fundamentada na teoria : texto "Pausa " de Moacyr Scliar




PAUSA

Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro. Fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:
            —Vais sair de novo, Samuel?
Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém-feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.
            —Todos os domingos tu sais cedo – observou a mulher com azedume na voz.
            —Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente.
Ela olhou os sanduíches:
            —Por que não vens almoçar?
            —Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.
A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse a carga, Samuel pegou o chapéu:
            —Volto de noite.
As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas.
Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve-se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé:
            —Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é? A gente...
            —Estou com pressa, seu Raul – atalhou Samuel.
            — Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre - Estendeu a chave.
Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante. Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharam-no com curiosidade:
            —Aqui, meu bem! – uma gritou, e riu: um cacarejo curto.
Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta a chave. Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guarda-roupa de pinho: a um canto, uma bacia cheia d’água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocou-o na mesinha de cabeceira.
Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama, comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou-se fechou os olhos.
Dormir.
Em pouco, dormia. Lá embaixo, a cidade começava a move-se: os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando, os sons longínquos.
Um raio de sol filtrou-se pela cortina, estampou um círculo luminoso no chão carcomido. 
Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, perseguido por um índio montado o cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam. Samuel mexia-se e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se em sangue, molhando de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio.

Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para a bacia, levou-se. Vestiu-se rapidamente e saiu.
Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista.
            — Já vai, seu Isidoro?
            —Já – disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em silêncio.
            —Até domingo que vem, seu Isidoro – disse o gerente.
            —Não sei se virei – respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite caia.
            —O senhor diz isto, mas volta sempre – observou o homem, rindo.
Samuel saiu.
Ao longo dos cais, guiava lentamente. Parou um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa.

(in: Alfredo Bosi, org. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1977. p. 275)

Público alvo: 9º ano
tempo estimado : 3 aulas
1- Em primeiro lugar trabalhar com os diferentes e surpreendentes significados da palavra pausa.
2- Leitura para a sala com paradas pertinentes.
3- Considerar questões de interpretação de texto.
4- Elementos da narrativa
5- Analisar as figuras de linguagem utilizadas no texto.
6- Vocabulário
7- Reescrita.

 - aula 1

Leitura do  texto. 
No primeiro momento, seguindo a sugestão da nossa orientadora do curso, antes de entregar o texto aos alunos se faz  uma breve discussão sobre o que é  pausa, quais são os tipos de pausa que eles conhecem, as que fazem parte do cotidiano de cada um. Após as  respostas variadas, distribuição  então do texto e a leitura do professor  interrompendo no momento em que o personagem entra no hotel. Neste momento se indaga sobre o que eles pensam que irá acontecer... Prosseguindo a leitura até o final.
Aqui então inicia-se o trabalho analisando a compreensão e interpretação dos elementos do texto. Várias questões podem servir de apoio para atividades como: Quais são os personagens da crônica? Onde se passa a história? Como a descrição dos ambientes interferem no entendimento do texto? Por que há troca de nomes da personagem principal, etc.

- aula 2

Após análise das questões da aula 1, levantar o vocabulário desconhecido pelos alunos, analisar as figuras de linguagem presentes no texto e interpretá-las.

- aula 3

Propor uma reescrita da crônica dando continuidade ao texto ou mudando o final apresentado. Os textos podem compor um mural de reescrita na sala de aula para que todos os alunos tenham seu trabalho divulgado. 

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